Fundador da Central Única das Favelas (CUFA), Celso Athayde é uma referência quando o
assunto é empreendedorismo social no Brasil. Nascido na Baixada Fluminense, ele viveu em
favelas e conhece como poucos não só as mazelas, mas também o potencial desses espaços,
onde estima-se que vivam mais de 13,6 milhões de pessoas.
Eleito o Homem do Ano na categoria Responsabilidade Social do Men of The Year da revista
GQ Brasil, ele é também o criador e CEO da Favela Holding, que já ocupa direta ou indiretamente
mais de 18 mil pessoas e que teve faturamento estimado em R$ 40 milhões em 2020.
“A favela é território de potência”, diz ele, que também é um dos fundadores do Data
Favela, instituto de pesquisas que em levantamento recente estimou que as pessoas que
vivem nessas comunidades movimentam mais de R$ 119 bilhões.
Inquieto, Athayde vem mostrando ao mundo empresarial um lado menos estigmatizado
das favelas e já fechou parceria com gigantes como Uber e Ambev. “Com a favela bem, toda
a sociedade vai estar bem”, afirma ele, que já falou sobre o assunto também em palestras
em universidades como London School of Economics, Harvard e MIT.
Acostumado a enfrentar as adversidades, quando se viu diante da pandemia de Covid-19,
Athayde botou em curso ações para ajudar os moradores das favelas. Através da CUFA, ajudou
a desenvolver ações para levar alimentos e produtos de higiene para milhões de pessoas e
focou nas mulheres, com o programa “Mães da Favela”, que deu bolsas para mães sozinhas
e, ainda, um projeto que levou internet de graça para essas mulheres.
Pelas iniciativas, recebeu o Prêmio Empreendedor Social do Ano, realizado pelo jornal Folha
de São Paulo em parceria com a Fundação Schwab.
“É impressionante a qualidade, o conhecimento e a profundidade do trabalho desenvolvido pelo Celso Athayde. O Favela Holding é uma ideia genial, ao criar uma iniciativa em que os negócios são focados em formar, capacitar e gerar renda nas comunidades e com os moradores como sócios. As parcerias com o setor privado encurtam distâncias e geram aprendizados necessários ema um Brasil que precisa diminuir com mais rapidez suas enormes desigualdades”, diz o CEO da Rede Integração, Rogério Nery de Siqueira Silva.
Nessa entrevista, Athayde fala sobre sua trajetória de vida e seus projetos, além de comentar a importância do combate ao racismo e a inclusão em espaços de poder.
1 – Rogério Nery Siqueira Silva – Você tem uma trajetória pessoal única: nasceu na Baixada Fluminense, morou em favelas, abrigos e até na rua. Foi camelô, produtor cultural e depois se tornou empresário. Quando você percebeu que sua vivência pessoal era seu maior ativo e como isso poderia transformar a vida de outras pessoas?
Celso Athayde – Bom, não acho que tenha havido um momento único, um estalo. Eu sempre fui um cara muito sonhador e inquieto, e, obviamente, com uma vontade insaciável de ajudar os meus irmãos. Costumo dizer que todo favelado é um empreendedor nato. Isso nasceu comigo, e essa minha inquietude me ajudou a construir a minha trajetória.
2 – Rogério Nery Siqueira Silva – Além de ser o fundador da Central Única de Favelas (CUFA), você criou uma holding social, a Favela Holding, que conta atualmente com mais de 20 empresas, que vão da área de logística (FavelaLog), uma agência de live marketing (InFavela), um instituto de pesquisa, o Data Favela entre outras. A Favela Holding tem contratos com grandes companhias como Ambev e Uber, por exemplo. Como surgiu a ideia da criação da holding e das empresas que compõem o grupo?
Celso Athayde – A inspiração da Favela Holding foi a própria CUFA. A instituição já era grande e renomada por tudo o que havia mobilizado com os seus projetos, como a Taça das Favelas, a Liga Internacional de Basquete de Rua (LIIBRA), o Hutuz Rap Festival, entre outros. Então por que não criar uma holding social, responsável por esses projetos darem lucro, e com isso, gerar mais oportunidades e empregos para moradores de favelas? Daí veio a Favela Holding.
3 – Rogério Nery Siqueira Silva – Estima-se que 13,6 milhões de brasileiros vivam em favelas e, de acordo com o Data Favela, instituto do qual você faz parte, essa parcela da população movimenta mais de R$ 119 bilhões da economia. É um grande mercado, mas ainda inexplorado por muitas empresas. Como fazer essa ponte entre a favela e as grandes companhias? E qual o conceito de favela que permite o atendimento pelo projeto? Um assentamento de terra, por exemplo, se enquadra nessa classificação?
Celso Athayde – Demonstrar diária e incansavelmente que a favela é território de potência. Com isso, mostrar para as grandes marcas que, ao investir em projetos nesses territórios, você vai gerar oportunidades para todos, contribuindo para o crescimento da sociedade. Para nós, favela é tudo aquilo que o IBGE classifica como “aglomerado subnormal”. Se um assentamento de terra for classificado como aglomerado subnormal, sim, ele pode ser chamado de favela.
4 – Rogério Nery Siqueira Silva – A mesma pesquisa mostra que um total de 39% dos moradores de favelas diz comprar pela internet, mas um terço não conseguia receber as compras em casa. O levantamento mostrou que os moradores de favela estavam dando mais importância para a qualidade, preço e marca, por exemplo. O que as empresas precisam desenvolver para atender esse mercado?
Celso Athayde – Criar ações nesses territórios, levando produtos de qualidade para lá. Porque o favelado gosta de coisa boa, de andar bem vestido… Seria de bom tom também criar campanhas de comunicação que façam com que o morador de favela e periferia se sinta representado pela marca.
5 – Rogério Nery Siqueira Silva – Você costuma dizer que a maior potência das favelas são
as pessoas. Além disso, muitas das pessoas que vivem em favelas são consideradas
empreendedoras natas, dado que, muitas vezes, precisam buscar alternativas para
complementar a renda. Como transformar esse potencial e gerar mais oportunidades?
Celso Athayde – Buscando investimento, parceiros, e mostrando para a sociedade em geral
que, com a favela bem, toda a sociedade vai estar bem!
6 – Rogério Nery Siqueira Silva – A Favela Holding já ocupa direta ou indiretamente mais de 18
mil pessoas e havia uma estimativa de faturamento de R$ 40 milhões em 2020. Quais são os
planos para 2021? E de que modo esse projeto poderia ser replicado em outras cidades e
favelas do Brasil?
Celso Athayde – O plano é sempre a expansão. Usar a nossa capilaridade para continuarmos
permeando e gerando oportunidades no máximo possível de segmentos. E, sim, o nosso
projeto pode ser replicado em outras cidades e favelas do Brasil. Aliás, tanto a CUFA como a
Favela Holding estão em todo o território nacional.
7 – Rogério Nery Siqueira Silva – A pandemia da covid-19 atingiu com muita intensidade a
população que mora em favelas. Uma pesquisa feita em setembro pelo Data Favela mostrou
que 87% dos entrevistados conheciam alguém que teve covid-19 e 13% disseram que
foram contaminados pelo novo coronavírus. Além disso, essa parcela da população precisou
sair de casa mesmo no período de quarentena, dada a necessidade de trabalhar.
Diante deste cenário, e dos impactos econômicos da pandemia, a CUFA desenvolveu
ações para ajudar essa população. Quais foram elas?
Celso Athayde – O CUFA Contra o Vírus levou alimentos e produtos de higiene para milhões de moradores de favelas. Além disso, o Mães da Favela deu uma bolsa para mulheres mães-solo, que chefiam os seus lares, em mais de 5 mil favelas brasileiras. Também tivemos uma ação chamada Mães da Favela On, que levou internet de graça para essas mulheres.
8 – Rogério Nery Siqueira Silva – A CUFA é uma organização reconhecida pelos projetos em diversas áreas como cultura e esporte e está presente não só no Brasil como também no exterior, em mais de 400 localidades. Em Minas Gerais, quais as ações da CUFA e quais os impactos positivos que elas já geraram para a população do Estado?
Celso Athayde – Mães da Favela e o CUFA Contra o Vírus são ações nacionais. Logo, impactaram milhares de pessoas em Minas Gerais. Também realizamos a Taça das Favelas anualmente no Estado e é sempre um sucesso.
9 – Rogério Nery Siqueira Silva – A discussão sobre a questão do racismo estrutural ganhou força no País nos últimos meses. Parte das pessoas que vivem em favelas são negras e vivencia essa forma de racismo. Algumas empresas estão criando alternativas, como é o caso do Magazine Luiza, que montou um programa de trainee específico para negros para aumentar a diversidade na empresa. Como você vê esse tipo de iniciativa? E como levar essa discussão para dentro das companhias?
Celso Athayde – Vejo da melhor forma possível. Se os pretos não forem incluídos nos espaços de poder, o racismo continuará acontecendo e gerando as suas sequelas para a sociedade. As companhias devem sempre estimular ações antirracistas com os seus funcionários e, se possível, promover palestras de grandes lideranças pretas, para chamar a atenção das pessoas sobre o quanto o racismo impede que a sociedade caminhe para frente.
10 – Rogério Nery Siqueira Silva – Você é um dos líderes da Frente Nacional Antirracista e vem mantendo uma agenda de reuniões com lideranças políticas, esportivas e empresariais. Quais as metas da Frente?
Celso Athayde – Nossa meta é bem clara: combater o racismo. Pautar a sociedade com ideias antirracistas nas mais diversas áreas, para que um dia a gente tenha uma sociedade igualitária que dê oportunidades para todos, com espaços de poder.