Quando começou a proliferar o noticiário sobre o novo Coronavírus (Covid-19), na segunda quinzena de janeiro para o início de fevereiro, muita gente subestimou seus impactos. O que se ouviu, muitas vezes, foi tratar-se de alarmismo da Imprensa — coisa para vender jornal, atrair audiência. O País, até então, não havia registrado nenhum caso — apenas os de brasileiros residentes na China, especialmente em Wuhan, epicentro do surto.
Menos de dois meses depois, o que se vê é um quadro inquietante. No mesmo dia que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o caso como uma pandemia, o Brasil viu seu número de casos confirmados subir 50% em 24 horas. Infectologistas renomados preveem um cenário de crescimento exponencial no decorrer das próximas semanas.
Tudo isso deve nos deixar alertas. Na tentativa de conter o surto, a Itália — onde já registraram mais de 1000 óbitos — adotou medidas extremas. Na prática, os 60 milhões de italianos passaram a ver restringido seu direito de movimentar-se por causa da epidemia. Estão proibidas todas as reuniões públicas até, pelo menos, o dia 3 de abril, e está proibido o comércio considerado não essencial.
Isso afeta não só a saúde. Atinge os negócios. As bolsas asiáticas despencaram após pronunciamento do presidente americano, Donald Trump, restringindo voos provenientes da Europa (exceto Reino Unido). Em todo o mundo, eventos de negócios, de entretenimento e esportivos estão sendo cancelados. Nos Estados Unidos e no Brasil, Google e Facebook — duas das maiores empresas de tecnologia do mundo — recomendam home office aos funcionários.
O vírus, considerado ainda de baixa letalidade (2% dos casos com óbitos) mas de alta capacidade de disseminação, não escolhe classe social nem faixa etária. O pavor com a doença já abala as ações de companhias aéreas. É ainda uma das causas para a expressiva queda da Bolsa brasileira e de outras pelo mundo afora. O impacto disso tudo na economia — e, particularmente, no crescimento da economia mundial e brasileira, causa bastante apreensão. As consequências ainda são de difícil previsão, mas é legítimo acreditar que o impacto no crescimento econômico seja inevitável.
Todo esse cenário das últimas semanas é bem mais apocalíptico do que o traçado pela cobertura da Imprensa quando tudo começou, ainda na China.
E são esses efeitos na nossa vida cotidiana, e na vida do País, que reforçam a importância do jornalismo profissional — produzido por veículos tradicionais — para a consolidação da democracia.
É justamente a veiculação de informações devidamente apuradas, checadas e rechecadas, que representam um pilar para a população a separar o trigo do joio que, muitas vezes, estão nas mensagens que circulam nos celulares de muita gente.
Ao trazer luz aos fatos, o jornalismo profissional contribui para que as autoridades públicas, em seus diversos níveis, vejam-se pressionadas a adotar, com mais celeridade, políticas públicas que possam atenuar os efeitos dessa pandemia mundial.
E um dos surtos atuais é a disseminação das chamadas fake news.
Em sua metamorfose constante, na celeridade do dia a dia, muitas vezes a sociedade não tem essa reflexão. As novas tecnologias, com seus acertos e seus erros, alteram o modo de perceber e agir no mundo ao nosso redor. E as ferramentas de comunicação individual, muitas vezes, ajudam a massificar informações incorretas — inclusive sobre o Coronavírus, gerando desinformação que pode colocar em risco muitas vidas.
Nessa confusão, é fundamental que a Imprensa — e isso vale para veículos tradicionais — jamais perca a perspectiva de fazer valer todo o processo correto: informar com responsabilidade, checar antes de comunicar, ouvir antes de falar e combater veementemente as ilações com fatos e dados.
A Imprensa não deve julgar nem proteger. Tampouco deve publicar sem antes ouvir todas as partes. Notícia é bala que sai da arma. Se for errada, fere ou mata. Uma vez que saiu, não volta.
Nesses tempos de surtos e de pandemia, mais do que nunca, o jornalismo tem o papel de bem informar, levando informação de qualidade, confiável, para a população — a fim de evitar danos irreversíveis.
Rogério Nery de Siqueira Silva é CEO do Grupo Integração (afiliada da TV Globo no Triângulo Mineiro) e ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado de Minas Gerais
*Artigo originalmente publicado em 15.03.2020, no portal Poder360 (DF) – Poder360